
Há quem não aprenda a nadar, eu não aprendi a andar de bicicleta em miúda.
Sentei-me com grandes hesitações aos vinte e alguns anos num selim com desejo e medo em proporções iguais, equilibrei-me desequilibrada e dei três voltinhas a um terraço ao longo de três anos.
Aos vinte e bastante mais, num bosque de uma vila perdida no fim da Bélgica, fronteira com a terra do
Tratado da União Europeia, arrisquei o passeio sobre duas rodas e acabei no meio de uma densa vegetação com mais espinhos que flores, a rogar pragas à minha mãe e a suplicar duas rodinhas que por mais que me dissessem não haver para adultos, eu não me conseguia resignar.
Depois lá fui pedalando aqui e ali e hoje já ando bastante mais à vontade mas ainda não me atrevo a experimentar o número "sem mãos", não quero ficar "sem dentes" como na anedota.
Há duas bicicletas cá em casa. Uma minha, normal, e uma do papá que também é normal mas com uma cadeira pequenina, atrás, para a Mathilde e uma mais pequenina ainda, à frente, para a Manon.
Ontem fomos dar um passeio à vinda da creche e a Manon andou pela primeira vez, muito contente, a bater os pés e a olhar para os meus às voltinhas nos pedais na bicicleta ao lado.
A Mathilde adora, faz cócegas ao pai, escolhe o itinerário e estende-me a mão quando circulamos lado a lado, coisa que me é um pouco difícil de retribuir como se pode imaginar, não que não queira, mas o desequilíbrio eventual angustia-me por antecipação e lá lhe explico que daqui a uns tempos hei-de conseguir, e hei-de!
As duas estão quase a fazer anos e a prenda da mamy (avó paterna) para a Mathilde será uma bicicleta cor-de-rosa, a cor eleita sem hesitações.
Ela mal pode esperar e eu também não. Estou desejosa de a ver a pedalar.
Os pais investem, sempre, narcisicamente nos filhos, quer o assumam conscientemente ou não. Muitas vezes desejam que a progenitura faça tudo o que eles não fizeram, tenha tudo o que eles não tiveram, seja tudo o que eles não foram.
Eu quero que a Mathilde e a Manon façam o que lhes der na gana, tenham o que conseguirem e queiram, sejam o que desejarem, e sobretudo que se sintam bem na pele delas, seja lá o que decidirem.
E quero que elas saibam andar de bicicleta. Quero! Pronto!
É o meu grande investimento narcísico bastante consciente.