sexta-feira, 7 de maio de 2010

Amor e fado


Em Dezembro fui contar uma história na sala de aulas da Mathilde.
Fizemos pequenos cartazes com embalagens em cartão das bolachas e do leite e espátulas pediátricas de espreitar gargantas como pegas onde colámos as imagens da história. Enquanto eu lia, ela ia mostrando aos amigos e fazendo as vozes do herói - o Samuel - e da menina que transforma a história num antes e num depois - a Sara.

Fizemos também uma canção e à medida que eu cantava ela passava novamente os mini-cartazes em versão acelerada obrigatória devido ao ritmo imposto pela música e impossibilidade de pausa. Essa era a parte da performance que mais gostávamos e acabávamos sempre à gargalhada com a atrapalhação dela. É cómica esta nossa Mathilde nestas coisas, e noutras também.

A Manon pediu-me depois que fosse à sala dela contar a mesma história e eu sugeri levar a Mathilde. Foi há umas semanas. Fizemos um trio, durante a leitura. Eu lia, a Mathilde interpretava as personagens e a Manon mostrava os cartazes. Depois cantámos juntas a canção com a Mathilde a tentar amanhar-se numa correria doida com imagens a voar de vez em quando.

A história é uma delícia. Chama-se "Amor, que nojo!" e segundo a nossa canção reza assim:

Amor, que nojo!


O Samuel era um menino que não gostava de ver gente apaixonada
Achava mesmo que o amor é coisa doida de gente desmiolada
Fugiu de casa e dos abraços e dos beijinhos que davam avós e pais
Foi para a selva e era pior! Macacos, ursos, elefantes e outros mais


Davam beijinhos, davam abraços, eram felizes a viver apaixonados
E o Samuel achava um nojo tantos amores e mais amores sempre agarrados
Fugiu para o mar num submarino e descobriu que lá no fundo era pior
Eram golfinhos, eram baleias e caranguejos a viverem cheios de amor


Fugiu para o espaço num foguetão e até no espaço se sentiu muito enojado
Extra-terrestres cheios de mãos davam beijinhos que o deixavam enervado
Partiu então num barco à vela e instalou-se numa ilha sem ninguém
Brincou sozinho, falou sozinho, sozinho estava mas apareceu porém


Uma menina chamada Sara que do amor tinha fugido sem parar
E concordaram os dois meninos sobre o nojento que achavam ser amar
Brincaram juntos só que entretanto o Samuel escorregou perto do mar
E foi a Sara quem o agarrou dando-lhe a mão para ele não se estatelar


O Samuel é um menino que afinal também gosta de amar
E a Sara é uma menina que acabou também por se apaixonar
Porque o amor é bem bonito e é tão bom dar um abraço e dar a mão
Dar um beijinho, gostar de alguém que de nós gosta e nos dá seu coração





Como o tema deste ano na escolinha da Manon é "O mundo que nos rodeia", um tema tão giro tão giro!, e em Janeiro começaram pela Europa e por Portugal (já passaram pela América do Norte, do Sul, pela África e pela Ásia), falando do hino, da bandeira, da comida, dos hábitos e também do fado, e como me pediram para lá ir cantar o fado, eu aproveitei e foi tudo a eito! Toca lá a cantar o fado.

Diga-se, a bem da verdade, que eu não sou grande apreciadora do género musical, não percebo grande ou pequena coisa dele e não me tinha antes aventurado a tal mas as crianças, as nossas pelo menos, têm esta coisa de nos fazerem olhinhos a pedir e eu, pronto!, está bem, também ninguém sairá lesado e eu prometo tentar não lesar o fado.

Escolhi três fados da minha meninice, A Mariquinhas (tão giro!), A Casa Portuguesa (porque a Manon pediu especificamente) e o Fado do Estudante, o meu preferido porque adoro os filmes portugueses antigos e "A canção de Lisboa" com a frase "Riqueza da sua avó, tão pequenina!" seduz-me do princípio ao fim, porque sou médica, porque estudei no Campo de Santana e porque a estrofe

Recordo agora com saudade
os calhamaços que eu lia
os professores da faculdade
e a mesa de anatomia


me arranca sempre uma lágrima à alma.



E correu bem, foi muito giro.
De médico, de são e de louco, e de fadista acrescente-se, todo o português tem um pouco, deve ser isso.

2 comentários:

Lena disse...

Adorei este post! Tão bom conhecer as "histórias" sempre lindas da sua família - acho que também me "torno um bocadinho melhor" ao lê-las...
Beijinhos e continuem assim*** tudo de bom!
Lena Limpo
Paço de Arcos

ACA disse...

O Fado do Estudante... Lembro-me de rebobinar a cassete e passar a cena uma série de vezes para decorar a letra! :)