sábado, 17 de outubro de 2009

Nada pára a modernidade


Tenho discos de vinil. Relíquias dos vários tamanhos e rotações da minha infância e adolescência.
Andei anos à procura de um gira-discos, anos em que tal objecto era um achado em feiras de antiguidades. Quase comprei uma grafonola, num desses mercados ambulantes, não fosse o preço interdito sem direito a negociação.

Há dois anos o meu mamour ofereceu-me no meu aniversário, após aturada procura, um prato com uma bela agulha e pude voltar a ouvir a Pandilha, a Pantera Cor-de-rosa, a Guerra das Estrelas em várias versões, o Topo Gigio, O Blade Runner, as histórias infantis, os Discos do Ano, o Roberto Carlos (um guilty pleasure not that much guilty afinal de contas), o Fungagá da Bicharada, uma série de hits e álbuns Pop e uns quantos de música erudita para além de quatrocentos e sessenta e três 78 rotações que comprei por uma pechincha onde?, numa loja de antiguidades, num dia em que me convenci que acabaria por ter a dita grafonola custasse lá o que custasse.

Algures durante o ano passado, num fim de tarde, mostrei estas relíquias à Mathilde e à Manon.
Foi com grande surpresa que ouviram "Era uma casa muito engraçada" e outras que lhes cantava desde sempre.
Mas a maior surpresa foi, pelo meio de uma escuta atenta, olhando pela janela com ar intrigado, a questão da Manon:

- Mamã, e a chuva?

Estava um sol descarado.

- Chuva?
- Sim, a chuva. Isto... o barulho... A chuva. Onde está a chuva?

Demorei uns segundos a perceber que era o som do vinil e que para ela, tal como para a Mathilde, era algo desconhecido, nunca antes experimentado.

A Mathilde ficou ainda mais espantada quando lhe disse que antes destes discos pequeninos, os CD, o som era assim, como se estivessemos a assar sardinhas ou a fritar batatas, e que tanto eu como o papá ouvíamos música com este ruído de fundo.

E o curioso é que nem tinha dado pela "chuva", tão envolvida estava eu na minha "madalena de Proust".

Elas olhavam alternadamente para o gira-discos e para nós com um ar de "as coisas estranhas que os nossos pais faziam, estão aqui estão a dizer-nos que no tempo deles só havia telefone fixo e televisão a preto e branco..."

Suponho que elas deverão achar ainda mais estranho dar à manivela para sair o som, COM CHUVA, por um funil gigante.
Mantenho, também por isso, o desejo de ter uma grafonola.

Em tempo de tão badalada crise os antiquários podiam ter dó, ou até um si bemol, e não querer muitas mais notas pela dita máquina de transmissão musical.
Fica o apelo.

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