quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Neuro-anatomia


Quando eu tinha 17 anos conheci um jogador de futebol, acho que do Sporting, já na reforma. Era amigo do avô de uns amigos, um ciclista duas vezes campeão da Volta à Portugal. Não me recordo do nome, apenas que me sentei à mesa de um café a comer trouxas da Malveira, à conversa com aqueles dois senhores que conheciam a vida há pelo menos mais 5 décadas e meia do que eu.

Ficaram-me vários detalhes daquele lanche, alguns cómicos como a sugestão do futebolista ao amigo para que ele arranjasse uma namorada com o acrescento da solução prática no caso desta ser marreca, de a levar para a praia, fazer uma cova na areia e encaixar lá a corcunda, mas um houve que mais me impressionou e que ressoa cá dentro até hoje.
Aquele antigo craque da bola contou-me que um dia se apaixonou, por uma mulher por quem deixou a casa, a família, o trabalho, o país. "Atravessei o mundo atrás dela, perdi-me por ela, pelo cheiro dela, porque o amor está no cheiro da pele..."

O cheiro da pele, O detalhe.

Quando estudei o Cérebro (O Sérgio para os amigos;)), conheci o Lobo Límbico, uma porção filogeneticamente muito antiga, existindo em todos os vertebrados.
Do ponto de vista funcional admitiu-se durante muito tempo que o lobo límbico teria funções olfativas, fazendo parte do chamado rinencéfalo, ou encéfalo olfativo mas percebeu-se mais tarde que este anel cortical se relaciona fundamentalmente com a regulação dos processos emocionais (entre outros) e que nada tem a ver com a apreciação consciente dos odores.


Há bastantes meses, numa tarde de fim-de-semana quando fui acordar a Mathilde que dormia a sesta, não a encontrei na cama dela e, intrigada, procurei-a dentro do roupeiro, na casa-de-banho, no quarto da Manon, no roupeiro da irmã, julgando que me pregava uma partida.
Encontrei-a a dormir na nossa cama, toda tapada para não ver a luz que entrava pelas janelas. Enfiei-me por baixo do edredon, encostei-me a ela e dei-lhe uma beijoca.
Estremunhada, olhou para mim e disse "Vim para aqui porque gosto da cama do papá e da mamã. Cheira bem. Cheira ao papá e à mamã. Queres ver? Cheira lá aqui!" e encostava o nariz ao lençol e às almofadas.

Há duas noites, quando a deitei, não queria que eu saísse de ao pé dela e, como se mostrava inconsolável, perguntei-lhe se ela queria alguma coisa minha para dormir. A resposta foi afirmativa e como a única coisa que tinha era o pijama, tirei a camisola e deixei-a entre os braços dela. Assim dormiu.
De manhã ao acordar, meia adormecida ainda, que ela tem um despertar parecidinho com o meu, devagar devagarinho, oposto aos da irmã e do pai que acordam prontos para cálculos matemáticos avançados e em plena actividade motora imediata, sorriu-me e confirmou "Quero dormir sempre com o teu pijama. Cheira a ti mamã!"

Relacionados ou não o Rinencéfalo e o Lobo Límbico, o que é certo é que o amor está no cheiro da pele.
Não há neuro-cientista que abafe este eco por mais "cortiça" cerebral que desvende e interponha entre os dois.

domingo, 26 de outubro de 2008

A magia da sina

Quando abraço as minhas filhas ao meu colo lembro-me, por vezes, delas bebés e embora goste e aproveite todas as fases de cada idade, tenho saudades. Se pudesse tinha 4 ou 5 filhos ou mais.

Quando tinha aí uns 7 ou 8 anos, tirei a minha sina numa máquina no Jardim Zoológico, sim havia uma máquina de sinas no Zoo, e na minha actual fantasia imprecisa era parecida com a "Zoltar" do filme "Big".
Deu-me, a troco de uns tostões, um bilhetinho em cartão duro, como os antigos bilhetes de combóio mas sem nenhuma marca em forma de lua ou de estrela do picas, que na frente dizia "Alberto, que lindo nome" e no verso terminava afirmando que eu teria 12 filhos e 27 netos.

Não tive nenhum namorado Alberto, sei que na altura me lembrei que o pai da Zé dos 5 (da Enid Blyton) se chamava assim e como nas brincadeiras da escola eu era sempre a Zé, não porque fosse Maria Rapaz mas porque gostava do cão e do protagonismo rebelde da personagem, achei esquisito ir casar com o meu pai. Claramente um conflito edipiano ;)
Quanto aos 12 filhos talvez fosse uma coisa simbólica a apelar ao meu lado maternal porque me parece que, ainda que desatasse agora a fazer crianças, ou as tinhas às ninhadas ou a coisa é obviamente improvável.
Os 27 netos... bom também não desejo ninhadas às minhas filhas e como tal espero que a máquina desconhecesse o significado dos algarismos e achasse apenas bonita a combinação do 2 e do 7 que aliás me agrada também.

No entanto, mesmo não tendo tido nunca aquela convicção que proclamam muitas mulheres de ter nascido para ser mãe e não o ter desejado desde menina como se fosse o único objectivo da minha vida, a maternidade sempre me pareceu algo natural e que aconteceria na fuidez do meu caminho. E quando tal aconteceu percebi que podia ter os tais 12 filhos e 27 netos do "Zoltar" do Zoo.

Tenho saudades das minhas quando eram bebés.
Tenho saudades da sensação de felicidade intocável assim que elas nasceram, do primeiro dia, daquele perfume de recém-nascido, da tranquilidade profunda dos seus sonos, dos braços esticados por cima da cabeça e das mãozinhas papudas fechadas, do olhar atento a descobrir o mundo, do sorriso desdentado, dos primeiros passos, das primeiras palavras, tenho saudades de tudo.

Não estou com um desejo súbito de ter mais bebés, estou apenas a recordar e sei que temos duas meninas maravilhosas, saudáveis, divertidas, inteligentes, gentis, meigas e tão bonitas, desde sempre.

E tal como tenho saudades, tenho também o prazer do aqui e agora, a crescerem, tão grandes e pesadas que já pego dificilmente nas duas ao mesmo tempo, tão cómicas que me dobram a rir, tão espertas que me ensinam todos os dias, tão ternas que me comovem até às lágrimas, tão perfeitinhas que me pergunto como sempre "Como é que eu fiz isto?"
É que, realmente, é mágico.

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Menino ou Menina


Na sala da Manon fizeram um trabalho sobre as características de cada género.
As considerações foram registadas e expostas.

Os conhecimentos são variados:
"As meninas têm o cabelo comprido."
"As meninas usam vestido"
"As meninas têm ganchos no cabelo."
etc... etc...

Cada menino ou menina elegeu uma particularidade.

E o que disse a Manon?
"A menina tem pipi."

Claro, no meio disto tudo, evidentemente, é o que mais importa;)

terça-feira, 14 de outubro de 2008

Good cop/bad cop


A Polícia na cabeça da Mathilde está envolvida num certo mistério.
Julgo que apesar de lhe explicarmos que os polícias ajudam as pessoas, verdade indubitável para mim desde o dia em que, já há alguns anos, um agente da autoridade mudou um pneu do meu carro, cheio de boa vontade acrescente-se, para ela as forças policiais ficaram marcadas por duas coimas daquelas azaradas.
Nada de grave, um estacionamento não autorizado e um atraso de um mês no que à inspecção diz respeito.
Aqui me defendo, apesar de reconhecer que a lei é a lei e de reconhecer igualmente que nem sempre a lei me agrada, afirmando que o carro tinha sido comprado, como carro de serviço, em Agosto com uma matrícula de Maio e na minha cabeça, em Junho ainda não tinha feito 4 anos.
Nada a fazer que o polícia estava num dia de má catadura e eu às tantas de má catadura fiquei e disse apenas: "Então e agora?" e ele: "Vou altuá-los!" e eu: "Pois altue mas depressa se fizer favor que eu tenho 2 crianças pequeninas no carro, como pode ver, 300 km pela frente, está calor, são horas de almoçar e as barrigas das crianças não são tão tolerantes à hipoglicémia como as nossas!".
A má catadura tornou-se a ordem do dia para todos os envolvidos e o papá espumava enquanto se passava mais de uma hora para concluir a situação porque pelos vistos era a primeira vez que tal infracção era sancionada em Tavira e nem 4 polícias todos juntos eram capazes de descobrir o código a escrever. Muita paciência tiveram a Mathilde e a Manon!

Ora há duas semanas, vínhamos das escolas e ao nosso lado num semáforo parou um carro da Polícia Municipal conduzido por um agente bem disposto.
A Mathilde pôs-se a olhar para ele com um grande sorriso.
Ele disse-lhe adeus, ela disse-lhe adeus de volta.
Ele perguntou-lhe "Como te chamas?" e ela respondeu "Mathilde! E esta é a minha mana Manon!".
Ele disse adeus à Manon que o espreitava interessada do outro lado.
A Mathilde continuou: "E tu como te chamas?" e ele "Victor" e ela "Olá Victor!".
E nós a vermos.
O semáforo abriu e ela: "Adeus Victor!" e ele " Adeus Mathilde!".

Cena contínua, vira-se para a Manon e exclama muito contente: "Viste Manon? Um querido polícia!" e depois para nós, sentados à frente e dobrados de riso com o adjectivo colocado à inglesa imprimindo à expressão uma força redobrada e vincando a impressão mais importante do contacto entre eles, a simpatia e não a função profissional, e afirma: "Eu quero ir à casa do Victor!".

Suponho que não preciso de lhe contar do pneu, das indicações de direcção quando me perco, das conversas divertidas nas operações stop no Natal e outras situações simpáticas que já vivi com a Polícia.
Parece-me que o Polícia Victor resolveu o amargo de boca da hipoglicémia de há uns meses.
Obrigada Sr. Agente!

Idades

A Mathilde cresce a olhos vistos.
Nas últimas semanas age com uma desenvoltura imparável. Fala e fala, cheia de expressões conceitos novos e para além dos hábitos quotidianos inerentes à condição humana onde se inclui a higiene, a alimentação e outras coisas que ela já desempenhava autonomamente, resolveu ajudar a pôr a mesa, levantar a mesa e fazer café.
Embora tenha tido a sua fase dos rituais obsessivos, como todas as crianças entre os 2 e os 3 anos, altura em que arrumava tudo e tudo bem direitinho no sítio certo (fase em que a Manon se encaixa na perfeição no ano corrente, com uma meticulosidade por vezes desesperante para pais bastante menos obsessivos), esta nova fase pouco tem de meticuloso ganhando sobretudo em orgulho de menina a crescer.

Entrámos também na fase da contra-argumentação mais elaborada que nos desenha um sorriso imediato e também imediata perda de autoridade. É demasiado engraçado para se manter a compostura.

Exemplo:

Papa: "Mathilde, est ce que tu peux ranger le fromage et le paté dans le frigo?"
Mathilde: "Oui papa."

E pega apenas no queijo dirigindo-se ao frigorífico.

Papa: "Les deux chérie, s'il te plaît."
Mathilde (sem olhar para trás e arrumando o queijo): "Une chose à la fois. J'ai que deux mains quand même!"

Contra factos não há argumentos, são 4 anos e meio e 2 mãos pequeninas :)

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Singing Songs

Quando eu era pequenina, aprendia muitas coisas a cantar. Mesmo depois de maiorzinha continuo a aprender, agora que penso nisso.

Ainda sei os verbos transitivos, o plexo cervical e os músculos do pé graças a tê-los posto em canção e uma vez apresentei um trabalho a cantar na faculdade. Era a única forma do dito parecer um "belo" feito e acabou mesmo por ser.

De vez em quando invento umas canções para as meninas com assuntos gerais, chamemo-lhes assim, os meses, os dias da semana, etc. Há pouco tempo, aproveitando uma melodia conhecida que a Mathilde e a Manon cantarolam, o clássico "Biquini às bolinhas amarelas", pus a rimar o nosso Sistema Solar, cheio de bolinhas de muitas cores.

Vou ensinar-te os planetas Mathilde
Os grandes astros do Sistema Solar
Às voltas andam à volta do Sol
A nossa estrela que está sempre a brilhar

E são: Mercúrio e Vénus e Terra e Marte
Os primeiros a rodopiar
Jupiter, Saturno, Urano, Neptuno a seguir
Que o Plutão já não é p'ra contar



Tive de referir o planeta com nome do cão do Mickey versão XXL há uns anos banido. A lista não me parece completa sem aquele "ÃO" final.

É muito engraçado ouvir a Mathilde a cantar com grande desenvoltura como se não fosse nem um bocadinho difícil dizer aquilo tudo de seguida sem respirar aos 4 anos e quase meio e com um Ai! Ai! Vou ficar sensacional! entre a estrofe o refrão.

A Manon tenta, atingindo um grau de comicidade bastante elevado, mas anda mais francesa que lusa desde que veio de férias e prefere:

Une souris verte
Qui courait dans l'herbe
Je l'attrape par la queue
Je la montre à ces messieurs
Ces messieurs me disent
Trempez là dans l'huile
Trempez là dans l'eau
Ça fera un escargot
Tout chaud


E com tanta cantoria inventada, elas inventam-na também, desde sempre mas mais ainda à medida que crescem. E a Mathilde já rima e tudo, por vezes de forma espantosamente certinha e nada forçada.

Babo? Sim, muito :)

E comovo-me muito também.